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O mau começo do ministro

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Por Redação
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O mais recente ministro do governo de Michel Temer começou mal. Antes de sua posse na chefia do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, Torquato Lorena Jardim, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fez uma inadequada declaração sobre os acordos de leniência – na verdade, mais imprópria que as declarações sobre a Lava Jato que alijaram do governo Romero Jucá e Fabiano Silveira.

“Leniência vai ser uma prioridade, porque, se a prioridade é retomar o crescimento econômico, gerar emprego e investimento, temos que ter um quadro legal que reabsorva legalmente as empresas com mercado de trabalho de negócio com o governo”, afirmou em entrevista ao Estado.

Torquato Jardim repetia assim o mesmo diapasão da presidente afastada Dilma Rousseff, como se o objetivo do acordo de leniência fosse salvar empresas envolvidas em escândalos. Acordo de leniência é instrumento de investigação e de normalização do ambiente conspurcado pela corrupção, e não um meio para a impunidade. É um equívoco grave – incompatível com quem deve comandar o combate à corrupção na administração federal – o argumento de que os empregos gerados por uma empresa podem justificar uma menor punição de seus ilícitos. Ora, princípio básico de um Estado de Direito é que todos devem cumprir a lei. Sendo assim, também as empresas – e por elas não respondem apenas gerentes e executivos, mas também e principalmente diretores, conselheiros e acionistas – devem respeitar o ordenamento jurídico. A geração de empregos não pode ser pretexto para uma espécie de imunidade empresarial, como se fosse possível desrespeitar determinadas regras e sair impune simplesmente por ter uma ampla folha de pagamento.

Foi esse o equívoco da Medida Provisória (MP) 703 – conhecida como a MP da impunidade –, com a qual Dilma tentou alterar regras dos acordos de leniência previstas na Lei Anticorrupção, facilitando enormemente a vida de empresas envolvidas em corrupção. Felizmente, a MP 703 perdeu sua vigência antes de o Congresso tê-la transformado em lei.

É, pois, totalmente descabido trazer a mudança das regras dos acordos de leniência de volta à pauta, e ainda mais nos termos postos pelo novo ministro e como prioridade. Na entrevista ao Estado, Torquato Jardim deu a entender que o atual governo está disposto a afrouxar as regras. “Não me falaram se vai ser projeto de lei ou medida provisória”, disse.

A declaração de Jardim a favor de um “quadro legal que reabsorva legalmente as empresas” – em outras palavras, a defesa do retorno impune aos negócios com o poder público de empresas envolvidas em ilícitos – é muito mais grave que os conselhos de seu antecessor Fabiano Silveira gravados pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e que foram o motivo para sua saída da pasta.

A sociedade exige um novo patamar de moralidade no trato com a coisa pública. Ainda que venha revestida de desculpas aparentemente bem-intencionadas – como o crescimento econômico ou a geração de empregos –, a impunidade não merece ter qualquer espaço na administração pública. E cabe ao governo federal dedicar seus melhores esforços no combate à corrupção, evitando zelosamente enviar qualquer mensagem em sentido contrário. A Lei Anticorrupção, não custa insistir, está em vigor e deve ser aplicada como todo o seu rigor.

Já foi um erro a mudança de nome da antiga Controladoria-Geral da União (CGU) para Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. De caráter técnico, a denominação anterior é bastante difundida no mundo empresarial. Todos sabem o que uma controladoria faz e qual é sua posição hierárquica em relação às demais áreas da empresa.

Além de ter gerado natural indisposição dos funcionários do órgão com o novo governo – cizânia absolutamente desnecessária no momento –, a mudança de nome provocou dúvidas sobre a relação do agora Ministério da Transparência com os outros órgãos do Executivo. O trabalho de controle exige uma ascendência institucional que, no momento, ficou turvada.